11 abril 2007

POBREZA

Verdadeiros homens lixo que vivem dentro de esgotos e se alimentam de detritos nos depósitos municipais, numa descida ás mais negras profundezas da inumanidade, ilustram o quotidiano de todas as cidades do planeta e fazem de cada novo êxito científico, económico, cultural ou pessoal, um detalhe patético num cenário de uma crise irremediável.

Tudo o que era limite de decência, de dignidade, já foi há muito ultrapassado nas grandes urbes e nesta incapacidade de solucionar a desumanidade vigente, todos nós, cada um à sua maneira, vamo-nos transformando em homens lixo. Para a sociedade contemporânea a exclusão é vista como uma catástrofe natural. Epidemia que atinge uns e poupa outros. Os excluídos constituem uma intromissão visual que serve a precariedade da existência e apresentam-se como símbolos de ruínas cuja única utilidade é servir de exemplo ás restantes vidas remediadas.

Sem pertença, politica e social, não há humanidade. Não há humanidade sem comunidade. A exclusão é a condição definitiva de um ser atirado para um lugar exterior à vida comum. O homem lixo já não se reconhece como humano e entende-se como obstáculo ao progresso de todos. Dai a surpreendente falta de raiva dos mendigos. Não lutam pela vida, mas pela sobrevivência. Não reivindicam a pertença mas apenas a permanência.

Nas chacinas e limpezas étnicas, os executores justificam os seus actos no não reconhecimento de qualquer laço comum com as vitimas. Para o exterminador, o inimigo é sempre um homem lixo. Alguém que está a mais e perturba a ordem natural das coisas. A exclusão é o primeiro passo para a execução e esta já é realizada de várias formas. Pelo crime, fome, frio, isolamento e acima de tudo pela deportação.

Para o sistema capitalista o excluído é acima de tudo uma aberração económica. Não produz, não integra o circuito reprodutor, não consome. Neste sentido vale menos, muito menos, que um animal doméstico pois mesmo estes vão ganhando a sua condição económica, expressa nas secções que os supermercados dedicam, na publicidade, nas exposições e na parafernália de inutilidades que lhes é consagrada.

Neste sentido os excluídos tornam-se um verdadeiro problema, que nada tem de humano, mas técnico e económico. As soluções propostas por todos os governos passam invariavelmente pela sua perseguição, afastamento para periferias das periferias, etc.…
O excluído é uma excreção visual do falhanço do sistema, uma espécie de nódoa na toalha de linho em noite de visitas. Deve ser removido a todo o custo.
Dai que se proceda à destruição de bairros sociais e barracas sem que esteja em jogo a condição social mas tão só a visibilidade.
A irresolução do nosso mundo deriva da incapacidade de entender os problemas, já que sendo estes da ordem do sistema, só permitem a sua ampla percepção a partir de um ponto exterior ao mesmo.

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